Coleção Clássica DIBICA

Todos os artigos criados ou enviados durante os primeiros vinte anos do projeto, de 1995 a 2015.

Mengwelune, Lydie

1886-1966
Igreja Evangélica de Camarões
Camarões

Lydia Mengwelune

Lidia Mengwelune destaca-se dentre todos os cristãos fruto do trabalho da Missão Basiléia na região de Bamoun (1906-1915) durante o período colonial alemão, assim como aqueles provenientes da atividade da Sociedade Missionária Evangélica Francesa de Paris (1917- 1957). A sua vida e a sua conversão a Fé Cristã tem sido mostrada nos escritos de vários missionários, mais do que qualquer outro crente desta mesma região. Apesar de que a igreja nesta época estivesse cheia de convertidos respeitáveis, anciãos, catequistas, evangelistas e pastores, nenhum deles teve a história da sua vida publicada em livros ou ilustrada em revistas e nenhum deles foi motivo de cartões postais que circulavam tanto em Camarões como na Europa. A sua figura emblemática numa época em que a voz das mulheres era ignorada brilha como um relâmpago na escuridão, com um brilho que instantaneamente acendeu a corte do rei Njoya em Foumban e a nobreza de Bamoun em Nji Wamben. A sua luz queimava com brilho, iluminando uma trilha pelas áreas rurais e as ruas da cidade como uma evangelista notável que proclamou as boas novas do amor em Jesus Cristo. Quem era esta mulher?

Sua Infância

Lydia Mengwelune era filha de Njo Mofen e Mandu [2], e nasceu no bairro de Njiyoum em Foumban. O seu pai era um homem nobre que era o chefe encarregado de todos os servos de No Permboura, a irmã de Ngungure, que era a mãe do Rei Nsangou, o que por sua vez era o pai do Rei Njoya. A sua mãe, Mandu, era a prima do Rei Njoya pela linha paterna. O nome Mengwelune que é composto de duas palavras: Mengwen, que significa “eu estava indo” e lutne, que significa “regozijar-se”, teve um grande impacto no caráter dela, como freqüentemente acontece com os nomes. O primeiro impacto foi negativo, pois tem a ver com a sua vida de sensualidade com o rei, mas o segundo foi positivo, o qual tem a ver com a sua jornada com a Fé Cristã. Lydia foi a segunda filha de sua mãe, a qual teve dezessete filhos, dos quais somente um era menino. Este filho único era a materialização da esperança de Nji Mofen no que refere-se à linhagem que deixaria depois da sua morte. Lydia teve uma infância pacífica e os pais dela se alegravam com ela mais do que com os outros filhos.

Sua Juventude

Lydia era uma menina muito bonita. Ainda muito jovem, e de acordo com os costumes daquela época, foi dada como noiva a Bankumbu, o qual era um chefe guerreiro do Rei Njoya. Sendo que ainda não tinha atingido a idade requerida para casar-se, lhe permitiram (de acordo com a prática costumeira daquela época) fazer parte do harém das noivas e passar o seu tempo lá. O seu futuro marido, que tinha começado uma campanha contra o rebelde Primeiro Ministro Gbetkom-Ndombue, no frente em Mangam naquele momento, a levou com ele. Aquela guerra durou por dois anos e só terminou quando a cavalaria do povo Fula de lamido [3] de Banyo veio auxiliar o Rei Njoya e finalmente o ajudou a vencer o rebelde e restabelecer a paz.

Durante a viagem de retorno, Bankumbu, quem alimentava um antigo desprezo pelo rei, decidiu voltar para a sua vila nativa de Mfowuon, em lugar de dirigir-se para a capital Foumban e assumir a sua função como súdito do rei. Ele pediu que Lydia o acompanhasse, mas ela negou-se a ir, sob o pretexto de que a viagem era muito difícil. Bankumbu foi para a sua terra natal e viveu lá por certo período, sem responder às muitas solicitações do rei, para que voltasse à capital de Foumban. Finalmente fez a viagem de volta, e estabeleceu-se pacificamente nos seus aposentos em Foumban. No entanto, o rei descobriu que ele era parte de um grupo que estava tramando contra ele. O rei mandou matar Bankumbu, apesar de este ter sido o general de seu exército por muito tempo e tendo-lhe protegido de ataques múltiplos e variados. Na sua raiva, o rei não somente mandou matar o seu general, mas também a mãe e o irmão de Bankumbu, todos no mesmo dia. Toda a cidade de Foumban ficou terrivelmente comovida com essa matança.

Lydia não tinha ainda se recuperado da dor e do medo causado por esta separação brutal do seu noivo, quando outra tragédia, ainda mais violenta, atingiu toda a sua família. Seu pai, Njo Mofen, foi acusado de ter matado o seu vizinho. A acusação veio do supervisor da região de Bamoun que consultou uma aranha armadeira, a qual se acreditava que tinha o poder de revelar segredos. Após escutar sobre o assunto, o rei pronunciou um veredito sem direito a apelação, e o sentenciou sumariamente à forca; a sentença não estava de acordo com a legislação vigente da época. Como resultado deste julgamento e execução, Mandu, a sua filha Lydia, o seu único filho, todos os outros filhos, e as outras esposas de Mofen foram banidos, e corriam o risco de ser vendidos ou distribuídos a qualquer um de acordo com a vontade do rei. No entanto, No Njapdunke, a Rainha Mãe do Rei Njoya, intercedeu por Mandu, de modo que ela e os seus filhos, assim como todas as posses de Nji Mofen não fossem afetados. Ela conseguiu fazer isto, devido a sua relação familiar com o rei. Ela conseguiu que o único filho de Nji Mofen o sucedesse, de modo que ele sempre fosse lembrado. Para confortar Mandu, No Njapdunke, freqüentemente a convidava a passar um tempo com ela, apesar de tudo que tinha acontecido com o seu marido. O rei, sabendo que ele deveria ter interferido, arrependeu-se do seu julgamento às pressas, mas ele agiu de acordo com os seus direitos à luz dos seus poderes. Assim mesmo, Mandu não era um parente de sangue, próxima do rei? Ela teve que esquecer o passado e olhar para o futuro. No Njapdunke cuidou das necessidades de Mandu e de seus filhos. Lydia acompanhava a sua mãe quando ela fazia as suas visitas ao palácio. No Njapdunke notou a sua beleza e a sua inteligência e pediu a sua mãe se poderia mantê-la no palácio e cuidar da sua educação, como compensação e consolo para ela. Mandu aceitou agradecida.

Bailarina do Rei

Enquanto vivia no palácio, Lydia recebia todos os benefícios de estar sob os bons cuidados de No Njapdunke. Recebia presentes de todo tipo: roupas, calçados, ornamentos, óleos de beleza… e inclusive uma dieta especial, posto que estava sob a proteção da Rainha Mãe. Não tinha necessidade de nada. Ela era muito simpática, cortês e inteligente. A sua beleza era motivo de comentários em todo o palácio, entre as esposas do rei, entre os serventes e entre os plebeus que vinham ao palácio a negócios. Todos ficavam impressionados pelo frescor da sua beleza natural. A quem ela pertencia? Quem se atreveria a falar com No Njapdunke e pedir a sua mão? Todas as atenções ambiciosas de muitos homens jovens e nobres esbarravam na presença da Rainha Mãe. De fato, ela era mais temível que o seu filho, o rei. Assim mesmo, inocente como sempre, a presença de Lydia Mengwelune continuava a brilhar perante todos, tanto quanto uma lua clara brilha numa linda noite estrelada. Sendo que o rei visitava a sua mãe Njapdunke todos os dias, ele logo percebeu a incrivelmente bonita Lydia, e começou a amá-la, apesar da interdição de tais coisas dentro do contexto da família estendida. Apesar da primazia que o rei tinha sobre as instituições do povo Bamoun, ele não poderia casar-se com ela, pois seria acusado de incesto. Mesmo assim, ele não conseguiu resistir à intensa e sedutora beleza e inteligência de Lydia Mengwelune. Por esta razão, a sua mãe lhe aconselhou a tê-la como sua concubina. Por acaso todos os homens não tinham concubinas? Quem poderia acusar o rei por isso?

Deste modo, Lydia tornou-se amiga do rei, em detrimento de todas as suas esposas. As mulheres deste grupo que tinham sido amigas do rei começaram a desprezá-la. Lydia dava prazer ao rei sempre que ele solicitava. Em troca, ele lhe deu tantos presentes, que todas as suas esposas ficaram com ciúme. Assim como as outras concubinas reais, Lydia tinha os seus aposentos numa casa ao lado do palácio. Homens de limitados recursos podiam ter relações com estas concubinas de forma clandestina. Lydia, no entanto, recebia toda a atenção do jovem rei. Ele especialmente gostava de conversar com ela, porque tinham mais ou menos a mesma idade. Sendo que o rei era seu amigo, Lydia se sentia a vontade de confrontá-lo e trazer a tona muitos questionamentos da vida em suas discussões. O rei se deleitava com a companhia dela.

Lydia não era somente bonita, mas também sabia como dançar, e a arte de dançar era muito admirada pelo povo Bamoun naquela época. A sua silhueta e os seus gestos cativaram totalmente o rei quando ela dançara certas danças. Para acrescentar o seu prazer, o rei Njoya a convidou a dançar uma nova coreografia com ele, usando uma máscara. A combinação da música cantada e a coreografia dos seus passos que dançaram juntos permitiram que o Rei Njoya e Lydia alcançassem um clímax na sua relação sensual. Em alguns momentos, o rei não conseguia esconder o seu desejo pela jovem mulher que não era a sua esposa, mas que era a que lhe dava a satisfação emocional que ele precisava. Ao dançarem, exclamações de aprovação ouviam-se da multidão em Bamoun: “A pu tetune!” (“Isso é muito bom!”).

As exclamações de aprovação deles foram ouvidas por última vez, apesar de que ninguém estava consciente disso naquele momento. Uma sucessão de eventos ocorreu no reinado, eventos que afetaram todo mundo. Lydia Megwelune, a dançarina do rei, ia deixá-lo para sempre e encontrar felicidade verdadeira nas coisas do Reino de Deus. Ela deixaria os prazeres que desfrutava com o Rei Njoya para abraçar a alegria de Jesus Cristo, o Rei dos Reis, Senhor dos Senhores.

Uma Serva Livre de Jesus Cristo

Enquanto ela morava no palácio, o qual era o epicentro de todas as instituições reais, e o lugar onde todos os problemas que tinham a ver com o povo Bamoun eram tratados, Lydia tinha uma posição privilegiada: ela era a principal confidente do Rei Njoya. Ele lhe contava tudo, e discutia todos os assuntos com ela. Eles tinham conversado longamente sobre a ajuda da cavalaria de Fula que viera do chefe Banyo, durante a insurreição do Primeiro Ministro Gbetkom-Ndombue, e também conversavam sobre os brancos que tinham chegado com os seus soldados, assim como os mercadores brancos que chegaram mais tarde. Na verdade, os alemães queriam colaborar com o Rei Njoya, e se aproximaram dele como oferta de relações amigáveis. O empregado de um desses mercadores, chamado Samé, tinha falado sobre o Deus que tinha enviado o Seu filho para salvar o mundo. Ao escutar essas histórias estranhas, o Rei Njoya chamou o homem e interrogou-o seriamente sobre esta mensagem. Ele também transcreveu estas histórias para a língua Shumon. O Rei tinha tanto interesse em saber sobre este Deus, que ofereceu dinheiro a Samé para que pudesse ficar e ensinar o povo Bamoun. Ele rejeitou a oferta e disse que os mensageiros de Deus viriam algum dia. Samé foi embora e ninguém sabe de onde ele veio.

Mais tarde, dois jovens do povo Bamoun, chamados Mah e Nguin, que tinham ido a Bali para visitar a família, ficaram e estudaram lá. Além de aprender a ler e escrever, eles aprenderam as maravilhosas histórias da palavra de Deus. Quando eles voltaram a Foumban, contaram às suas famílias sobre o que tinham aprendido, e as histórias circularam até chegarem ao Rei. Depois de escutar estes jovens e tendo sido tocado pelas histórias que eram desconhecidas entre o seu povo, o Rei enviou a dupla novamente a Bali para perguntar aos brancos se eles viriam e ensinariam essas histórias ao povo Bamoun.

No dia 10 de abril de 1906, um pastor alemão da Missão Basiléia, chamado Martin Gohring, chegou a Foumban, em resposta ao pedido do Rei. O entusiasmo que isto causou, era sentido em toda a cidade. O Rei Njoya lhes deu o monte mais alto na cidade em Njisse. Ele rapidamente construiu moradias e uma escola, assim como a Nda Nyinyi (a casa de Deus), “a igreja”, construída no mercado central. O próprio Rei escutava atentamente as mensagens. Ele também mandou que as suas esposas e as suas filhas participassem das reuniões regularmente. Rhein-Wuhrmann explica o que aconteceu a seguir: Mengwelune, a amiga do rei, também foi. Mais que todas as outras mulheres, ela foi tocada pelo que escutou. Pouco tempo depois, o rei percebeu que uma grande mudança estava acontecendo no coração da jovem mulher. Ela não o procurava com tanta freqüência como anteriormente. Muitas vezes ficava sozinha, perdida em seus pensamentos, chorando. Ela jamais perdia um culto, mas pouco a pouco ela estava se afastando do rei.

Um dia, ela apresentou-se ao rei e humilde e firmemente lhe disse: “Eu tenho ido aos cultos dos Cristãos, todos os dias que eles chamam de domingo. Eles dizem muitas coisas boas, e as suas palavras entraram no meu coração. O Deus deles diz: ‘Felizes aqueles que têm um coração puro, ‘ mas eu não tenho um coração puro, e eu tenho feito muitas coisas erradas. As esposas do rei me odeiam, e elas têm razão. Eu não posso mais ser amiga do rei. Por favor, me entregue em casamento a um bom homem!”

Isto caiu como um golpe cruel ao Rei Njoya. Ele implorou e rogou à Lydia que voltasse atrás, deu muitos presentes e carícias, mas nada podia mudar a sua decisão. Os esforços do rei não atingiam a jovem mulher, porque a sua alma estava atormentada em vista da nova mensagem que ela tinha escutado. O rei achava que não tinha perdido a batalha ainda, e que as mudanças que estavam acontecendo com a sua amiga eram sentimentos passageiros de mulher. Ele ficou realmente surpreso e desiludido, quando Lydia lhe disse que ela queria tornar-se Cristã, e que estava tendo aulas de catecismo e se preparando para o batismo. [4]

A Luz chega à Nji Wamben

Lydia Mengwelune tornou-se a 31ª esposa de Nji Wamben, um homem nobre que estava a serviço do rei. Ela era um presente fino, e o seu esposo acreditava que ela o ajudaria a ficar mais próximo do rei, visto a sua descendência real e a sua história passada com o rei. Nji Wamben a encheu de presentes e lhe deu a posição mais alta entre todas as suas esposas. Ele adorava tê-la ao seu lado quando ele não estava a serviço da corte, porque a sua beleza e a sua inteligência, assim como as suas outras qualidades contribuíam para aumentar o respeito que ele já tinha. Ele sabia que a sua esposa tinha adotado a fé cristã, e lhe permitia participar dos cultos, apesar de que ele mesmo não participava. Ele acreditava que com o tempo o seu entusiasmo desapareceria.

No entanto, Lydia já era catequista na escola em Njisse, e estava crescendo rapidamente na sua fé. Quanto mais ela entendia, mais ela permitia que as velhas práticas que não estavam em acordo com a Palavra de Deus desaparecessem, tais como: ofertar sacrifícios para os mortos e matar os indefesos camaleões, que de acordo com as crenças Bamoun, eram vistos como mensageiros da morte. Ela perdeu o medo do poder da aranha armadeira, crença que tinha causado a morte do seu pai. Ela não tinha mais temor dos espíritos, dos curandeiros e do olho gordo. Deus agora estava a cargo da sua vida. Os seus contemporâneos e aqueles que foram batizados com ela, contam que a sua fé e o seu amor eram muito intensos. Quando era bem jovem e ainda morava com a sua mãe ela teve um sonho, o qual ela só entendeu o significado agora que estava vivendo como Cristã.

Todo o progresso na sua vida espiritual e o conhecimento que ela adquiria no catecismo levou-a a estar entre os primeiros 80 candidatos a batismo do povo Bamoun, membros da classe de 166. Foi nesta ocasião do batismo que recebeu o nome de Lydia, pois ela também podia dizer: “O Senhor abriu meu coração.” Ela foi batizada como Lydia Mengwelune, em 25 de dezembro de 1909, pelo Pastor Martin Gohring.

Perseguição e Testemunho

O esposo de Lydia, Nji Wamben, começou a ficar incomodado pelo compromisso que a sua esposa estava tendo com a fé cristã. Ele lhe rogava serenamente, dizendo: “Por favor, não me cause tristeza e vergonha; não abandone os costumes dos nossos pais.” [5] O Rei Njoya começou a incitar Nji Wamben para que atormentasse a sua esposa. Ele começou a tratar a sua fiel esposa com crueldade, e progrediu de simples reprimendas e humilhações a ameaças e tortura física. Ele forçou Lydia a mudar-se da sua maravilhosa casa e lhe deu uma choupana de servos para viver. As outras esposas começaram a rir dela, e a tratavam com desprezo. O sue direito de receber ajuda dos escravos lhe foi retirado, e o seu esposo não lhe dava nenhuma atenção, a não ser para chamá-la para despejar a sua raiva sobre qualquer evento que fosse considerado sua culpa. Ele a agrediu com tanta violência que lhe deixou cicatrizes permanentes. Lydia sempre foi uma menina mimada e jamais tinha sido tratada de modo tão terrível.

Lydia suportava as provações como se carregasse a sua cruz, encontrava conforto e consolação na Palavra de Deus. Até o ponto que as suas condições de vida tornaram-se insuportáveis. Ela foi falar com a Sra. Rhein-Wuhrmann, uma das missionárias, e lhe disse: “Receba-me como sua servente, eu não agüento mais viver com meu esposo.” [6] A missionária lhe disse que honrasse a sua fé cristã nas circunstâncias em que se encontrava, e que Jesus a ajudaria muito mais que ela própria poderia ajudá-la. A missionária foi falar com o marido de Lydia, Nji Wamben, e percebeu que ele ficou muito envergonhado por amar a sua esposa, mas odiar o Cristianismo. Pressionado por outros nobres, ele continuou a destratar Lydia. A Sra. Wuhrmann escreveu: “Todos nós da missão, sentiamos muita pena de Lydia, porque éramos testemunhas impotentes da sua situação, e ela sofria terrivelmente.” [7]

Durante a I Guerra Mundial (1914-1918), os missionários alemães foram levados de Foumban acorrentados, escoltados pelos ingleses. Lydia perdeu o apoio que tinha da Sra. Rhein-Wuhrmann, a sua conselheira e amiga. Ela chorava dizendo: “Eu estou como uma órfã agora, uma órfã!” “Deus é o nosso Pai, querida Lydia, e Jesus o seu conselheiro,” respondeu a sua querida amiga. Com este diálogo, a Sra. Rhein-Wuhrmann e Lydia, duas discípulas de Cristo, foram separadas. [8]

Os dois anos que se seguiram à partida dos missionários (1916-1918), foram cada vez mais difíceis para a pequena comunidade Cristã em Foumban, uma perseguição seguia-se a outra. O Rei Njoya declarou a prática da fé Cristã ilegal no seu reino, e se converteu ao Islã. Exigiu que todos os seus súditos se tornassem muçulmanos, assim como ele o tinha feito. Esposos muçulmanos, assim como Nji Wamben e Nji Mama -esposo de Shachembe Marguerite, amiga de Lydia- que tinham altas posições na corte real, tiveram que perseguir as suas próprias esposas cristãs para poder manter o favoritismo do rei. Em várias ocasiões as igrejas foram atacadas por estes oficias cujas esposas foram levadas de forma violenta. Em outra ocasião, os próprios soldados do rei executavam as suas ordens. Apesar do seu próprio sofrimento, Lydia procurava outros perseguidos e os confortava e encorajava. Ela suportava humilhação no seu próprio ambiente, e a sua vida era a sua confissão de fé. Através do seu testemunho, outras esposas do seu marido adotaram a fé em Jesus Cristo.

No livro de Alexandra Loumpet-Galitzine, Njoya e o Reinado Bamoun, a autora da biografia de Lydia, escreve:

A sua fé a o seu amor pelo Salvador estavam muito vivas. Ela foi um exemplo para as outras esposas. Lydia amava o seu marido e não aprovava nenhum tipo de desobediência por parte das outras esposas. O seu caráter cristão firme silenciava as outras esposas. Quando ela voltava do culto, ela reunia todas as esposas e lhes falava sobre Cristo que morreu pelos pecados de todo mundo… Ela também dava bons conselhos para todo o povo que trabalhava para o chefe. O chefe, que era um muçulmano, viu o seu bom comportamento e o seu bom exemplo e permitiu que todos fossem às reuniões Cristãs. No domingo, um grande número de homens e mulheres podia ser visto indo para a igreja, guiados por esta brava discípula do Senhor. [9] Tais relatos de testemunhas oculares, vinham de outros também, não somente dos Cristãos. Nji Wamben também percebia a boa influência que Lydia tinha nos seus assuntos, porque o espírito Cristão começou a influenciar todos os aspectos das vidas das suas esposas, que também eram mães e donas de casa. O seu comportamento para com a sua esposa cristã Lydia mudou, e permitiu outras de suas esposas freqüentassem o catecismo pré-batismal. Um dia ele disse para a Sra. Wuhrmann: “Desde que as minhas esposas se tornaram cristãs, ou começaram a freqüentar o ensinamento para o batismo, a vida na minha casa mudou muito. Não escuto mais brigas, somente o canto alegre, e o trabalho é bem feito pacificamente. Enfim, tudo é melhor do que era.” [10]

Assim é como Lydia, uma esposa Cristã perseguida, mudou a visão e as crenças do seu marido Nji Wamben, das suas esposas, seus filhos e seus servos. Eles antes seguiam as religiões tradicionais, depois se tornaram muçulmanos, e finalmente, graças à luz de Cristo, se tornaram Cristãos.

Anciã na Igreja

A organização da igreja feita pelos missionários alemães não constava de diáconos, anciãos, evangelistas e muito menos pastores. A sua organização contava com discípulos, supervisores e catequistas que deveriam ir, pregar e ensinar. Mais tarde, a Missão Paris, estabeleceu-se naquela região e enviou o Pastor Elie Allégret, que visitou Foumban pela primeira vez em 1917. Após a primeira visita, ele enviou um homem do povo Douala chamado Max Mpacko que foi o primeiro professor formado, no lugar. Foi este homem brilhante que ajudou a igreja -uma igreja que surgiu vitoriosa da perseguição- a organizar-se, escolhendo anciãos. Um total de oito anciãos foram escolhidos para uma comunidade de 300 almas. Quatro homens e quatro mulheres foram escolhidos, sendo que Lydia era uma delas, que certamente foi escolhida pelo seu testemunho. A Sra. Wuhrmann escreve: “Que dia inesquecível foi quando os cristãos mais influentes: Mose Yeyap, Josué Muishe, Jean Njikam e outros chamaram a Lydia para sentar-se com eles como uma anciã da igreja! Uma mulher sentada no conselho dos homens! Com os mesmo direitos de voto, nada menos! Uma mulher, uma criatura tão desprezada entre os pagãos! Foi incrível! Mas estes líderes da comunidade tiveram um bom julgamento e fizeram uma boa escolha.” [11]

Como anciã Lydia foi uma excelente professora na Escola de Meninas em Njisse, onde foi assistente da Sra. Wuhrmann. Além disso, fosse em casa ou em outro lugar, ela sempre era encarregada de bons trabalhos e do cuidados dos destituídos.

Professora na Escola de Meninas

Aproveitando a sua nacionalidade suíça, a Sra. Wuhrmann retornou a Foumban através da missão Paris em 10 de julho de 1920, depois da guerra. Ela reorganizou a escola que até então tinha sido chefiada por Paolo Pepuere, um dos irmãos do Rei Njoya. Sendo que os maridos não cristãos não queriam que homens ensinassem as suas esposas, a carga de trabalho da Sra. Wuhrmann aumentou muito. A matrícula quadriplicou, passando de 80 estudantes para 320. Ela escreveu: “A classe era formada por um grupo muito heterogêneo: mulheres velhas, cansadas e desgastadas; mulheres jovens, cheias de vida; mulheres bonitas da corte do rei; e as bem pobres que foram criadas em choupanas miseráveis de escravos. Praticamente todas elas queriam ter contato com Jesus… Eu não tinha o tempo necessário para cuidar de todas estas mulheres fora da hora da lição, e nem que quisesse não podia fazê-lo. A minha querida Lydia, que era uma das anciãs da igreja, me ajudou cumprindo turnos de quatro horas.” [12]

Varios testemunhos escritos da época atestam que Lydia devotamente cumpria com seu trabalho. Charles Maître, num comentário que suplementa um trabalho com 85 imagens que mostra o trabalho em Camarões de 1924 até 1925, diz o seguinte sobre a imagem número 70: “Lydia, uma de nossas bravas cristãs. Pode-se ver o estilo de cabelo, as tatuagens, os adereços nas orelhas, as duas moedas de três marcos; mas o que não se pode ver é a fidelidade e a devoção desta brava mulher que agora é a supervisora da escola de meninas.” [13] Quando a Sra. Wuhrmann foi embora de Fouban depois de seu segundo período missionário, ela deixou todo o ensinamento catequético nas mãos de Lydia. No seu livro “Retrato das mulheres de Camarões”, publicado em 1931 ela menciona o fato de que Lydia tinha assumido essa tarefa. Por um longo período Lydia continuou a ensinar a fé a várias gerações de mulheres cristãs de Bamoun cujas vidas foram transformadas e que influenciaram nos seus casamentos, nos seus filhos e na sua sociedade.

Evangelista Itinerante

Lydia também foi escolhida como uma das anciãs por exercitar o dom da evangelização. Jean Njimonia escreve: “Ela se tornou uma anciã porque ela amava servir. A igreja tem tido mulheres anciãs e ainda tem, mas Lydia foi uma anciã por excelência. Ela visita as igrejas da região e dá bons conselhos aos catequistas e aos Cristãos também. Ela sabe como confortar irmãos que estão aflitos. Ela alimenta as crianças órfãs que recebeu por livre e espontânea vontade. Ela ensinou as esposas de muitos catequistas. A Sra. Rhein-Wuhrmann ama ela mais do que qualquer outra coisa; ela a chama de minha amiga, o que é realmente uma verdade.” [14]

Esse testemunho de um missionário nativo, e de outros missionários, demonstra que Lydia estava comprometida coma pregação das Boas Novas não somente na sua própria casa e na igreja local, mas muito além. Ela tinha uma visão ampla do ministério que lhe foi confiado. Nas palavras do Sr. Jesus: “A quem muito lhe é dado, muito lhe será pedido.” Por Lydia ter recebido muito do Senhor, ela retornou muito do que recebeu, e ainda mais.

Lydia não somente pregava, como freqüentemente e o caso dos evangelistas. O que ela ensinava se tornava realidade, também, através de suas ações. Ela cuidava de cristãos doentes e dos catequistas, do mesmo modo, encorajando-lhes. Ela recebia as mulheres que eram perseguidas e expulsas das suas casas pela sua fé, e lhes dava proteção. Às vezes, havia até quatro ou mais mulheres jovens morando na sua casa. Se alguém fosse embora da cidade devido à perseguição, ou temporariamente tivesse sido excluído da comunidade de fé devido ao pecado, Lydia não descansava até ir e encontrar essa pessoa. Muitas vezes ela os trazia para sua casa. Devido a sua condição social, não lhe era permitido caminhar pela vizinhança sozinha, então Njo Wamben lhe deu alguns escravos que sempre a acompanhavam.

O zelo de Lydia pelo evangelismo deixa claro que a sua fé não era simplesmente uma questão de vocação. Ela pertencia totalmente ao seu Senhor, e tudo o que ela fazia era com um tom evangelístico. A fé de Lydia era ativa em serviço e era evidente pelo amor com que se dedicava a outros, tudo para a glória de Deus.

O Significado de Jesus Cristo na Vida Dela

Lydia Mengwelune era uma mulher cuja fé em Jesus Cristo poderia ser descrita como fervorosa. Ela somente tinha aprendido a ler e escrever na sua língua nativa, Bamoun. Ela não foi educada em francês ou alemão porque já era adulta na época em que essas escolas abriram em Foumban. Não teve treinamento em evangelismo em nenhuma escola bíblica. No entanto, as mudanças como conseqüência do seu estudo profundo da Bíblia e o seu amor por Jesus a tornaram uma grande figura da fé Cristã na região de Bamoun e em Caramarões, se poderia dizer na África, e porque não no mundo todo.

Quem era Jesus para esta mulher que entregou o seu corpo e a sua alma para servi-lo, inclusive colocando a sua própria vida em risco? O que segue é um dos últimos relatos da sua maravilhosa profissão de fé em Cristo: Em 1924, com a chegada do dia 14 de julho, o Rei chamou o seu mordomo mor e lhe disse: ‘Converse com a sua esposa Mengwelune e peça a ela que dance nesta data festiva dos brancos. ‘ Nji Wamben próprio, me contou que a sua resposta ao rei foi: “Meu Rei sabe muito bem que Mengwelune é Cristã, e os Cristãos não dançam. Como posso pedir a ela para fazer o que o Rei está mandando?” Então, Njoya enviou dois mensageiros para tentar convencê-la a atender o seu pedido. Ele também prometeu a ela cabritos, óleo de palmeira, milho, amendoim e a echarpe mais bonita feita nos teares reais. Lydia riu quando recebeu a mensagem, pensando que era uma brincadeira. Logo, percebeu que era uma proposta séria. E esta foi a sua resposta: “Digam ao rei que Mengwelune precisa dos seus pés, das suas mãos e do seu corpo e do seu coração para servir a Deus.” O rei não insistiu mais. Lydia deu algumas gargalhadas sobre este pedido pretensioso e pôde mostrar neste incidente como todas estas coisas, agora, eram-lhe estranhas. Coisas que antes costumavam deixá-la muito feliz. [15]

Através destes incidentes, Lydia deixou claro para o seu esposo Nji Wamben e o Rei (ambos eram amigos e a tinham perseguido) o que significava Jesus Cristo para ela. Ao permanecer fiel a Jesus ela estava compartilhando o Evangelho com o seu marido, o qual a tinha humilhado e maltratado, e acabou adotando a fé em Cristo. Uma fonte anônima, certa vez, exclamou: “Tem alguém entre todos os missionários e todos os Cristãos que não tenha elogiado a Lydia por sua grande fé e pelo seu amor no serviço a Deus? Ela é a única mulher Cristã nativa que é conhecida tanto aqui como na Europa, na América e em todo lugar. Que o Senhor continue enviando tais mulheres anciãs a sua pobre igreja Bamoun! Que grande Cristã nativa!” [16]

A memória de Lydia Mengwelune ainda está muito viva, principalmente em Foumban, mas também em toda a região Bamoun. Gerações de Cristãos têm nascido e se multiplicado através do testemunho dessa discípula fiel. A igreja na região de Bamoun possuía trinta e cinco lugares de culto em 1931, e cresceu ao ponto de ter dois Sínodos: Parte Norte (que vai do centro em direção a Foumban) e Parte Sul (que vai do centro em direção a Foumbot). A igreja em Foumban está orgulhosa de ter a primeira mega igreja de Camarões: chamada “Ndaambassie,” com capacidade para mais de 14.000 pessoas. Esse é o fruto do trabalho de Lydia Mengwelune, que já foi para regozijar-se com o Seu Senhor no Seu Reino. [17]

Robert Adamou Pindzié


Notas

  1. Essas datas são aproximadas, já que não existe informação mais precisa.

  2. Rhein-Wuhrmann e Nicod não usam os mesmos nomes e os sobrenomes não se soletram da mesma maneira.

  3. Um lamido é um chefe.

  4. Rhein-Wuhrmann, Retratos de Mulheres, p.33.

  5. Retratos, p.36.

  6. Retratos, p.37.

  7. Idem.

  8. Idem.

  9. Loumpet-Galitzine, p. 166.

10.* Retratos*, p.41.

  1. Idem.

  2. Loumpet-Galitzine, p. 287.

  3. Loumpet-Galitzine, p.296.

  4. Loumpet-Galitzine, p.166

  5. Retratos, p.43.

  6. Loumpet-Galitzine, p.166.

  7. A seguinte carta, originalmente escrita em Bamoun por Lydia Mengwelune, para sua amiga Rhein-Wuhrmann, está transcrita abaixo (Retratos, p.44):

Foumban, 9 de julho de 1927

“Querida amiga, minha mãe, você pensa em mim e fica noites sem dormir como eu fico? Oh, eu sei que muitas vezes você fica sem dormir quando pensa em mim. Eu quero agradecê-la por ter escrito a história da minha vida num livro. Se tudo está bem comigo em Foumban, é graças a você; se o povo me ama e fala bem de mim, você é a razão disto também. Tenho estado muito doente e prostrada. Eu pensei que ia morrer (artrite reumatóide); agora, no entanto, estou bem de novo. (Seguem-se notícias de várias pessoas…) Eu, que sou a sua filha, a saúdo calorosamente”.

Lydia Mengwelune


Bibliografia

Francis Grob, Témoins Camerounais de l’Evangile (les Origines de l’Eglise Evangélique) [Testemunhas do Evangelho Camaroenses (As Origens da Igreja Evangélica)] (Yaoundé : Edições CLE, 1967).

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Este artigo foi apresentado em 2008 e foi pesquisado e escrito pelo Rev. Robert Adamou Pindzié, 2007-2008 Parceiro do Projeto Luke. Rev. Pindzié é professor na Faculté de Théologie Evangélique du Cameroun [Seminário Evangélico de Camarões] em Yaoundé.