Coleção Clássica DIBICA
Todos os artigos criados ou enviados durante os primeiros vinte anos do projeto, de 1995 a 2015.Soga, Tiyo (B)
Tiyo Soga foi o primeiro ministro africano a ser ordenado ao ministério da Igreja Presbiteriana na África do Sul. Nasceu em Gwali em 1829, na época que o Chefe Makoma foi expulso do Kat River. Era filho de Jotello (um dos chefes conselheiros do Chefe Nggika) e de Nosuthu (a ‘grande esposa’ de Soga). C.L. Stretch, um membro do Conselho Legislativo, conta como ele ensinou ao Velho Soga a cultivar para alimentar a sua família e seus animais. Ele foi o primeiro Xhosa a usar um arado e a irrigar as plantas com água corrente de tal modo que logo começou a vender seus produtos para os militares de Fort Cox (Cousins 1899,14).
Nosuthu tornou-se cristã e depois de pensar e orar muito pediu a Jotello, que tinha oito esposas, que a libera-se dos laços do casamento. Ela queria que seu filho Tiyo crescesse como cristão. Ela não permitiu que ele fosse circuncidado. Isto foi um tropeço no futuro, pois de acordo com as práticas culturais os tradicionalistas alegavam que ele não havia passado pelos rituais de masculinidade. Nosuthu levou a Tiyo para a Missão Chumie que tinha sido fundada em 1818 pelo Rev. John Brownlee. O Velho Soga tinha sido instruído por Nggika a promover os interesses da missão. Alguns anos antes Nggika o tinha enviado a visitar Ntsikana para escutar a mensagem cristã e saber do que se tratava. Nggika não era cristão, mas estava disposto a deixar os missionários trabalharem na sua área. Em Chumie, Tiyo cresceu e freqüentou a escola do Rev. Chalmers.
Em 1844 Tiyo Soga recebeu uma bolsa de estudos para Lovedale, distante uns treze quilômetros de Chumie. Dois anos depois, durante a ‘Guerra do Axe’, Lovedale foi fechada e os militares ocuparam as instalações. Tiyo e sua mãe estavam entre os refugiados no Forte Armstrong. Ele levou seus livros e estudava durante a noite à luz do fogo de madeira sneeze que sua mãe fazia. O Rev. William Govan, diretor de Lovedale retornou para a Escócia. Outros dois missionários lhe pediram que levasse seus filhos para continuar os estudos. Govan convidou Tiyo para que fosse junto e pagou todas as despesas de próprio bolso. A mãe de Tiyo não tinha certeza que veria seu filho novamente, mas o despediu dizendo: “Meu filho pertence a Deus; onde quer que ele vá, Deus estará com ele… e estará tão bem cuidado por Deus na Escócia como se estivesse aqui comigo” (MacGregor 1978, 72).
Soga freqüentou a Escola Normal em Glasgow. Neste período ele foi ‘apadrinhado’ pela Igreja presbiteriana Unida de John Street. La na Escócia ele fez profissão de fé e foi batizado em maio de 1884. Pouco se sabe dos seus anos escolares, mas estes anos na Escócia despertaram nele empatia tanto pela raça branca como pela negra que duraria por toda sua vida.
Ele retornou a Cabo do Leste e desde 1849 trabalhou como catequista e evangelista em Chumie. Descobriu que o povo naquela área estava escravizado pelos poderes de um feiticeiro chamado Mlanjeni. Então o Rev. Robert Niven lhe pediu que ajudasse na abertura de uma nova estação missionária nas montanhas Amatole, a Missão Uniondale em Keiskammahoek. Aqui por primeira vez ele teve problemas quando professores foram afastados por não serem circuncidados.
Neste período Soga compôs hinos sagrados. Pregava numa congregação que identificava a religião com as autoridades coloniais com as quais estavam em Guerra. No natal de 1850 a Missão Uniondale foi completamente queimada e Soga apenas pode escapar com vida. Ele negou-se a ficar do lado do chefe na guerra. Recusou um emprego oferecido pelo governo como intérprete. Preferiu acompanhar o Rev. Niven em seu retorno para Escócia e continuar estudos teológicos com o propósito que ele expressou: “Aprender melhor como pregar a Cristo como meu Salvador aos meus conterrâneos que não O conhecem” (Christian Express 1878).
Estudou no Thelolgical Hall em Glasgow e no dia 10 de dezembro de 1856 foi ordenado como ministro da Igreja Presbiteriana Unida. Ao deixar a universidade seus colegas deram-lhe vários livros de presente. Dois meses depois ele casou-se com uma escocesa, Jane Burnside, e retornaram para África do Sul. Ela provou ser: “A mais honorável, modesta, frugal e devota mulher que viveu heroicamente e fielmente ao lado do seu marido nas mais variadas situações que ele enfrentou na sua curta vida” (Cousins 1899, 59). Ela logo descobriu o que significava ser casada com um africano na África do Sul colonial. Soga mesmo descreve que quando desembarcaram em Port Elizabeth: “Vocês deveriam ver a cara de assombro e questionamento de todas as classes ao ver um homem negro com uma dama branca segurando o seu braço” (Cousins 1899, 67). “A pobre Janet Burnside era vista com desconfiança tanto pelos negros como pelos brancos!”. Soga teve que enfrentar acusações de querer tornar-se um “negro inglês”.
O ano de 1857 foi o ano da “matança do gado”, ao viajar pelo Cabo do Leste o casal Soga presenciaram sinais do povo morrendo de fome. Soga começou o seu ministério em Peelton perto da cidade King William, que era uma missão da Sociedade Missionária de Londres, mas logo se mudou para Emgwali. Em março de 1857 Soga recebeu uma carta da Sociedade Missionária de Glasgow dizendo que de acordo com as regras da sociedade ele agora era um: “Missionário Ordenado Kaffir” (nativo), a pesar de ter recebido o mesmo treinamento que os missionários brancos. Seu salário seria de 100 libras anuais e trinta libras para despesas eventuais. Também receberia um seguro de vida de 300 libras. Recebeu ajuda para comprar um cavalo, uma sela e um bridão (MS 7640 1857: 650).
O terreno para a Missão Emgwali foi doado à sociedade por Sandile e Soga deveria trabalhar entre seu povo os Nggikas. A permissão para começar a missão tinha sido dada pelo governador, Sir George Grey. Soga teve que negociar com os chefes e supervisionar a construção das instalações da missão (MS 7640 1857: 681).
Soga, devido a doenças freqüentes atrasava a resposta à sua correspondência. O Rev. Somerville sempre lhe enviava cartas pedindo noticias e relatórios do seu trabalho. Durante os anos que viveram em Emgwali os Soga tiveram sete filhos, quatro homens e três mulheres. Janet Soga viajava para Inglaterra para o nascimento de seus filhos. Em 1864, Somerville lhe escreveu dizendo que estava feliz pelo nascimento bem sucedido de uma filha e pelo seu retorno para casa em Emgwali. Em outra ocasião lhe perguntava pelo seu filho John que tinha uma deficiência numa perna (MS 7645 1864: 592). Os cuidados médicos com John exigiram varias viagens à Inglaterra.
Soga trabalhava em Emgwali, mas viajava muito de modo que a influencia da Igreja Presbiteriana espalhou-se pela região de Sandile. Em 1866 Soga ficou impedido de trabalhar temporariamente por razões de saúde. Neste período ele traduziu “O Progresso do Peregrino” para a língua Xhosa. Dois anos depois fez parte da equipe que revisou a versão da Bíblia em língua Xhosa.
Ao fim de sua vida ele foi enviado para abrir uma nova sede missionária em Tutuka (Somerville) na região de Kreli. A carga de trabalho era muito grande para um homem com a saúde tão fraca. O Christian Express escreveu: “Não podemos deixar de lamentar sua saída de Emgwali…, ele trabalhou demais para vencer as dificuldades.” Seu desejo era que seus filhos fossem educados na Escócia assim como ele tinha sido. Antes de morrer ele deu instruções a seus filhos dizendo: “Para vosso próprio bem jamais sintam-se envergonhados pelo fato de seu pai ser um Kaffir e por ter herdado sangue africano. Cada gota deste sangue é tão puro e tão bom como aquele que corre nas veias dos meus irmãos brancos… Vocês sempre honrarão a memória de vossa mãe como uma mulher cristã escocesa reta, consciente e austera. Deverão sempre estar agradecidos pela ligação de sangue com a raça branca” (Cousins 1899, 146).
Seu irmão mais velho, Festiri, veio para ajudá-lo como evangelista, mas Soga tinha tuberculose e estava muito fraco. Em agosto de 1871 o Rev. Cummings escreveu para o Conselho Missionario informando que Soga estava com a saúde prejudicada devido a longa exposição à intempérie em suas viagens a cavalo (MS 7651 1871: 765). O secretário do conselho escreveu para Janet Soga sugerindo que se mudasse para um lugar mais confortável onde ele pudesse descansar e que eles cobririam as despesas. Mas a carta chegou tarde demais, Soga já havia falecido. Ele morreu nos braços de seu amigo, o missionário Richard Ross, e sua mãe Nosuthu estava ao seu lado.
Depois da sua morte, recebeu várias homenagens. O conselho escreveu declarando que tinha em alta estima o seu caráter como missionário cristão e homem de Deus (MS 7651). Os membros do conselho recomendaram que Janet Soga e os seus filhos mais jovens retornassem a Escócia e recebessem uma pensão completa.
O seu epitáfio foi escrito pelo Dr. Anderson, na Escócia, e a lápide no seu túmulo diz: “Consagrado à memória do Rev. Tiyo Soga, o primeiro pregador ordenado da raça Kaffir. Ele foi amigo de Deus, amou Seu Filho Jesus, foi inspirado pelo Seu Espírito e um discípulo da Sua Santa palavra. Um cristão zeloso, um patriota ardente, um filantropo com um grande coração, filho dedicado, irmão afetuoso, esposo carinhoso, pai amoroso, amigo fiel, intelectual erudito, orador eloqüente, um verdadeiro cavalheiro. Foi um modelo de inspiração Kaffir a ser imitado pelos seus conterrâneos” (MS 7652 1872: 13). Estas palavras foram escritas em Xhosa e em Inglês e representam uma homenagem condizente com o seu ministério.
J. A. Millard
Bibliografia
The Christian Express. “Tiyo Soga: a Page of South African Mission Work.” (1º de Fevereiro de 1878).
Cousins, H. T. From Kaffir Kraal to Pulpit: The Story of Tiyo Soga. Londres: S. W. Partridge, 1899.
MS 7652. Epitaph, Tiyo Soga. Biblioteca Nacional da Escócia.
MS 7640. Cartas de: W. Somerville para Tiyo Soga datadas em 10 de Março e 7 de Abril de 1857. Biblioteca Nacional da Escócia.
MS 7645. Cartas de: W. Somerville para Janet Soga datadas em 30 de Junho de 1864. Biblioteca Nacional da Escócia.
MS 7651. Cartas de: H. MacGill to para Janet Soga datadas em 09 de Dezembro de 1871. Biblioteca Nacional da Escócia.
McGregor, A. “Missionary Women.” Annals of the Grahamstone Historical Society, 2 (4), (1978).
MS 7651. Minutas do Comité de Missões Estrangeiras. Biblioteca Nacional da Escócia.
Skota, T. D. M., ed. The African Yearly Register: Being an Illustrated, National, Biographical Dictionary (Who’s Who) of Black Folks in Africa. Johannesburg: R. Esson, 1933.
Williams, D. Umfundisi: A Biography of Tiyo Soga 1829~1871. Lovedale: Lovedale Press, 1978.
Williams, D., ed. The Journal and Selected Writings of the Reverend Tiyo Soga. Cape Town: A. A Balkema, 1983.
Este artigo foi reproduzido com a permissão de: Malihambe - Let the Word Spread, copyright © 1999, de J. A. Millard, Editora Unisa, Pretória, África do Sul. Todos os direitos reservados.