Coleção Clássica DIBICA
Todos os artigos criados ou enviados durante os primeiros vinte anos do projeto, de 1995 a 2015.Gudu, Wilfred
Wilfred Gudu provavelmente nasceu no fim da década de 1880 na vila de Machiringa perto da Missão Malabulo (Adventista do Sétimo Dia) no distrito de Thyolo. Não se sabe muito da sua juventude, só que freqüentou a escola primária da missão Malabulo, onde recebeu instrução básica. Foi aluno dos primeiros missionários negros americanos Thomas Branch e Joel Rogers e dos Malauianos Philip Masonga e Simon Ngauyaye.
Em 1911, depois que Gudu passou a ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia recebeu a função de professor numa escola primaria da missão. Em 1918 ensinava numa escola na vila Msomera perto de Limbe quando sofreu distúrbios mentais e ficou varias semanas perambulando nu na floresta. Depois foi transferido para outra escola Adventista do Sétimo Dia em Matandani na área de Neno. Nesta região ele foi ativista na luta contra a discriminação e a injustiça. Mesmo sem sucesso, ele protestou contra o espírito de superioridade dos Ngoni e apoiou outras tribos para retirá-los da escola. Os missionários adventistas do sétimo dia, assim como muitos europeus naqueles dias, não permitiam aos africanos usar sapatos ou chapéus em público, uma proibição que Gudu criticou amargamente, desejando o fim de tais regras. Em retaliação as autoridades o rebaixaram da função de professor a carpinteiro como forma de evitar que influenciasse seus alunos.
Descontente, Gudu voltou para sua terra em Mdere a doze milhas da missão Malabulo onde foi carpinteiro e pregador por nove anos. As coisas não foram bem para Gudu novamente, pois foi suspenso pela missão devido a sua interferência num caso de adultério que envolvia um jovem na missão, ele exigiu que o caso fosse resolvido com justiça. Ele acabou sendo suspenso no lugar do jovem. Parecia que os missionários tinham o costume de favorecer alguns e prejudicar a outros. No fim dos seus cinco meses de suspensão, para sua surpresa, foi comunicado que não era mais membro da igreja devido a este incidente alem de não ter pagado a contribuição para igreja neste período.
Depois de sua separação da Igreja Adventista do Sétimo Dia, Gudu decidiu fundar a sua própria igreja. Os membros de sua igreja contam que em 1934 Gudu foi arrebatado pelo espírito de Jeová. Afastou-se para a floresta onde passou vários dias em jejum e oração, e teve contato com serpentes venenosas sem que estas o picassem. As pessoas pensavam que ele sofria distúrbios mentais quando de fato estava aprendendo uma outra maneira de adorar assim como outros nomes dos meses e do tempo. Foi instruído a chamar sua igreja de “Filhos de Deus” (Ana a Mulungu) de acordo com Mateus 5:9 que diz: “Bem aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” Um ano depois (1935) fundou uma comunidade religiosa na vila de Kaponda a que denominou: Ziyoni ya Yehovah (Sião de Jeová). Atraiu um bom número de seguidores, estes construíram suas casas organizadas ao redor de um cerro, a casa Gudu estava no topo. Na pequena vila reinava uma combinação única de atividade industrial e piedade religiosa. Começava o dia com oração comunitária e depois cada um trabalhava na tarefa atribuída pela comunidade. As atividades incluíam: agricultura, carpintaria, alfaiataria, sapataria, olaria, tecelagem e confecção e fabricação de cestos. Todos trabalhavam na horta comunitária e compartilhavam os produtos. Durante o dia as crianças freqüentavam a escola básica que pertencia a comunidade. Ao meio dia se reuniam para orar e depois voltavam aos seus trabalhos, ao anoitecer se reuniam novamente para orar no kachisi (templo).
As pessoas que entravam para a igreja Ana a Mulungu (tanto adultos como crianças) não eram batizadas, mas recebiam a imposição de mãos. A procura de emprego fora da comunidade não existia e todos tinham que usar roupas brancas como símbolo de pureza. A disciplina era estrita e os infratores eram suspensos ou expulsos de Ziyoni ya Yehovah. De acordo com uma revelação recebida de Deus, Gudu e sua comunidade adotaram o calendário judaico assim como a divisão do dia.
O profeta Wilfred Gudu tinha uma aparência impressionante, era alto e fornido de complexão leve e falava energicamente com sotaque Ngoni/Chewa. Tinha um semblante serio e parecia que estava repreendendo alguém quando falava. Suas vestes principais eram: uma túnica branca sem colarinho acima do joelho que cobria uma calça branca feita a mão. Usava duas chaves de madeira penduradas do pescoço, uma para abrir as portas do cativeiro aqui na terra e outra para abrir os portais do céu.
Em todas as suas prédicas ele declarava ser o único homem que possuía o verdadeiro evangelho de Deus. Era muito crítico dos missionários e suas convicções religiosas foram abertamente declaradas quando entrou em confronto com os chefes locais e com o governo colonial devido a seus planos agropecuários para tornar Ziyoni ya Yehovah auto-sustentável. Seus oponentes alegaram que haviam comprado terras de forma ilegal e os despejaram. Nesta historia da confusão sobre a terra, parece que Deus visitou Gudu em sonhos e lhe disse que era hora de separar-se dos europeus e que agora Wilfred Gudu era o governo. Portanto ele decidiu não pagar impostos já de acordo com ele quem pagava impostos era filho do mal. Ele inclusive comunicou ao governo por escrito sua decisão. A partir de então Gudu adotou uma atitude de não colaborar com a administração colonial. Por exemplo, negou-se a dar informações exigidas pelas Regras de Estatísticas Religiosas e em 1937, ele e seus seguidores recusaram-se a pagar imposto a moradia. A causa disto ele e alguns de seus seguidores foram presos e encarcerados.
Na prisão ele passava a maior parte do tempo lendo a Bíblia e marcando aquelas passagens que tinham a ver com sua difícil situação. Próximo do fim de sua sentença o seu caso foi revisto por temor que ele causasse mais problemas se voltasse para casa, Gudu então recebeu uma pena em regime domiciliar de quatro anos; deram-lhe uma casa, uma mesa e uma pensão anual para mantimento em Zomba. A sua função era pregar a palavra de Deus nas vilas vizinhas. Nesta situação ele conseguiu muitos seguidores e depois recebeu liberdade total por dez anos, sua igreja cresceu em números e espalhou-se alem do distrito de Thyolo.
Depois da primeira guerra mundial, o governo colonial começou a formular políticas conservacionistas sobre o uso da terra de modo consistente. A questão principal destas políticas era respeito a faixas marginais, canais e represas. Estas regras não foram bem recebidas pelos nativos, mas, se sujeitaram a elas. Por sua vez, Wilfred Gudu recusou-se a cooperar por razões de consciência e razões religiosas. Para ele a Bíblia jamais disse nada sobre canalizar ou represar, para apoiar sua postura citava o versículo que diz: “As águas da terra devem correr livres.” Ele e seus seguidores se recusaram a fazer canais e inclusive destruíram canais feitos pelo governo em suas terras razão pela qual foi preso novamente. Após sua soltura foi deportado de Ziyoni ya Yehovah para outro lugar onde também entrou em problemas por questões de terra com uma empresa produtora de chá chamada Central Africa Company. Foi proibido de cultivar e teve que depender de seus seguidores para seu sustento.
Wilfred Gudu finalmente se divorciou de sua esposa Maggie e casou-se com outras quatro mulheres que correspondiam, segundo ele dizia, aos quatro cantos do mundo. Este ato perturbou alguns de seus seguidores e muitos o deixaram. Ele faleceu no dia 14 de março de 1963 em Ziyoni ya Yehovah e foi sucedido por Gideon Stivin como líder.
Louis W. Ndekha
Bibliografia
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J. C. Chakanza, Voices of Preacher in Protest (Blantyre: CLAIM, 1998).
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Robert I. Rotberg, The Rise of Nationalism in Central Africa. The Making of Malawi and Zâmbia: 1873 -1964 (Cambridge, MA: Editora da Universidade de Harvard, 1967).
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Albert Kambuwa, “Malawi Ancient and Modern” (não publicado) (Zomba: Universidade do Malaui, n.d.).
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R. B. Boeder, “Wilfred Gudu and Ana a Mulungu,” Trabalho para Seminário de Historia No. 3, Chancellor College 1981 - 1982.
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M. C. Hoole, Historical Survey of Native Controlled Churches Operation in Nyasaland 1940, compilado ara os relatórios policiais MNA, arquivo No. 1A/1341.
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Relatório Anual do Comissionado Provincial referente ao ano que terminou em 31 de dezembro de 1938 (Zomba Imprensa de Governo 1939).
Este artigo foi apresentado em 2003, foi escrito e pesquisado por Louis W. Ndekha, Coordenador de Contatos do DIBICA, sob a supervisão de R. G. Munyenyembe professor do Instituto Bíblico de Malaui, uma instituição participante do DIBICA.