O Dicionario de Biografias Cristãs da África: Cartografia Eclesiástica do Continente Invisível

Jonathan J. Bonk, Diretor do Projeto

Existe uma suposição tácita que mapas oferecem uma descrição objetiva do mundo. A mensagem deste livro é que não é assim, e as inúmeras maneiras em que eles diferem da realidade, servem para colocar os mapas como produtos centrais e significativos da cultura que os produz. -Peter Whitfield, The Image of the World

Para os cartógrafos [pós-Colombianos] os mapas se tornaram efêmeros, repetidamente redesenhados conforme as novas informações. Os monstros marinhos e os ornamentos floreados desapareceram para dar caminho a grandes massas de terra com exatidão crescente. -David S. Landes, The Wealth and the Poverty of Nations

Entre os mais conhecidos mapas medievais temos o Hereford Mappa Mundi, por volta de 1300, um exemplo impressionante da projeção histórica e teológica no imaginário do mundo físico. O mapa fornece uma abundancia de detalhes da Europa e do Mediterrâneo, é congestionado de nomes familiares de cidades e povoados de Edimburgo e Oxford até Roma e Antioquia. Sobre todo este terreno familiar são projetados todos os importantes eventos históricos e teológicos: a queda do homem, a crucifixão e o apocalipse. O resto do mundo, grande parte da África e da Ásia obscuramente, é representado às margens com elaboradas e grotescas ilustrações de mitos dominantes e forças demoníacas selvagens. [1]

O Mapa do Mundo Catalão, uns dois séculos mais tarde é igualmente revelador da ignorância européia mais do que da geografia. “A mais estranha representação geográfica,” diz Whitfield, “é a forma da África: no estremo do Golfo da Guiné, um rio ou estreito conecta o Atlântico com o oceano Indico, ao tempo que uma enorme massa de terra se incha para preencher a base do mapa. Não aparece o nome de nenhum lugar no mapa.” O continente está repleto de reis com cabeça de cães, e o paraíso esta situado na Etiópia. Além dos portões da Europa, as leis de Deus e a natureza parece que foram suspensas, e qualquer coisa era possível. Este mapa representa nas palavras de Whitfield, “um poderoso, dramático mas, mas, um quadro ilógico e incoerente do mundo.”[2]

África como Terra Incógnita Eclesiástica

Desde então tem se atingido um grau considerável de clareza cartográfica nas áreas da geografia e da cultura, no entanto os “mapas” eclesiásticos, ao contrario, continuam muito mal representados, ou simplesmente ignoram o atual estado de coisas na maior parte do mundo especialmente na África.

Um dos fenômenos religiosos mais impressionantes do século XX foi o crescimento do cristianismo na África. Como Lamin Sanneh recentemente observou sobre à África, “Em 1900 o número de muçulmanos ultrapassava o número de cristãos numa relação de 4:1, chegando aproximadamente a 34,5 milhões ou 32 por cento da população. Em 1962 quando a África em grande parte deixava o controle colonial, contava com aproximadamente 60 milhões de cristãos, e aproximadamente 145 milhões de mulçumanos. Dos cristãos, 23 milhões eram protestantes, e 27 milhões eram católicos. Os restantes 10 milhões eram cópticos ou ortodoxos etíopes.”[3] Quarenta anos mais tarde, o número de cristãos na África multiplicou-se por seis chegando próximo de 380 milhões, ultrapassando a população mulçumana e representando então 48,37 por cento dos aproximadamente 800 milhões da população total.[4] Entre 1900 e 2000 a população católica da África cresceu fenomenalmente 6.708 por cento, de 1.909.812 para 130.018.400. Nos últimos cinqüenta anos o número de membros católicos cresceu 708 por cento.[5]

No entanto, estranhamente, até as mais recentes tentativas dos principais historiadores da igreja na tarefa de ajudar seminaristas e líderes da igreja a encontrar o seu caminho na terra firma do cristianismo contemporâneo e mundial inclui esparsamente alguma nota sobre a África. Em 2002, por exemplo, a editora Westminster John Knox Press publicou a Encylopedia of Evangelicalism. O autor deste volume, longe de desculpar-se pela sua evidente falta de referência à África ou qualquer outro assunto não ocidental, reconhece simplesmente que: “Este volume é fortemente dirigido para a América do Norte.”[6] A África é representada por uma lembrança superficial de agências missionárias do ocidente tais como a Africa Inland Mission.

Igualmente insatisfatório neste ponto é o Biographical Dictionary of Evangelicals, publicado no fim de 2003. Estas 789 páginas de abundância de informação sobre fatos evangélicos desde 1730 até o presente, realmente, “transborda de interesse enquanto que fornece informação histórica fidedigna,” como a guarda interna atesta, no entanto somente um africano negro, Samuel Adjai Crowther teve o mérito da inclusão. “Geograficamente,” a introdução explica, “O alcance é o mundo anglo-falante, entendido no seu sentido tradicional como Reino Unido, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. Umas poucas figuras dos países não anglo-falantes também foram incluídas se suas obras ou reputação causaram um grande impacto nos evangélicos anglo-falantes.” Este foco combina com a meta de incluir “aquelas figuras que forem de interesse de estudiosos, ministros, ordinandos, estudantes e outros interessados na história dos evangélicos.”[7]

Sendo que os estudos cartográficos são muito mais a causa do que o resultado da história, continuar dependendo de tais mapas antiquados assegura a contínua confusão de guias cristãos tentando explicar a si mesmos e os seus protegidos eclesiasticamente. Assim, apesar dos resultados muito modestos provenientes de esforços prodigiosos dos missionários do século XIX, como David Livingstone, Robert Moffat, Mary Slessor, e C. T. Studd, estes nomes são palavras do dia-a-dia hoje; ao contrário, no entanto que o crescimento numérico de cristãos na África explodiu de uma estimativa de 8,8 milhões em 1900 para 382,8 milhões em 2004,[8] quase nada é conhecido sobre as pessoas mais importantes e responsáveis por este assombroso crescimento, catequistas e evangelistas africanos.[9]

Que tal estado de coisas persista apesar do quantum demográfico, espiritual, e intelectual do cristianismo mundial ter mudado do norte para o sul e do ocidente para o oriente, é parcialmente explicado por fatores delineados por Andrew Walls no seu trabalho de 1991, “Structural Problems in Mission Studies” (“Problemas Estruturais nos Estudos sobre Missões”). Apesar da transformação global do cristianismo, diz Walls, não somente os planos de ensino ocidentais falham ao registrar adequadamente este fenômeno, mas estes mesmos planos de ensino “tem sido usados nos continentes do sul, como se eles tivessem algum tipo de status universal. Agora bem, eles estão ultrapassados inclusive para os cristãos ocidentais. Como resultado, um grande número de ministros treinados convencionalmente não tem nem os materiais intelectuais, nem se quer o esboço do conhecimento para entender a igreja como ela realmente é.”[10]

Será que esta problemática lacuna existente no corpo de referência, não é parcialmente devida à ausência de ferramentas básicas que forneçam acesso conveniente a dados cristãos não ocidentais, e ao fato que instrutores se vêm desesperados para manter o ritmo das demandas de ensino diárias requerem? Eu acredito que é assim, pelo menos parcialmente. Sendo que novos mapas não tem sido criados, os mapas velhos têm que ser usados. Assim, a história da igreja na África continua como uma mera nota de rodapé da história da hegemonia das tribos européias e dos 500 anos de ascendência ocidental no mundo militar, econômico, e social. A África continua sendo terra incógnita, uma mancha obscura ás margens do mundo da subjetividade da cristandade.

Sendo que o maior movimento na história do cristianismo aconteceu na África nos últimos 100 anos e sem dúvida continua sua assombrosa trajetória no século XXI e além, é ao mesmo tempo alarmante e frustrante que mais uma geração de líderes cristãos estudiosos e seus protegidos baseados em fontes de referência antigas e recém publicadas, não aprenderão quase nada deste marcante fenômeno ou sobre homens e mulheres que serviram (e que servem) como catalisadores deste movimento. A África continua “o continente das trevas,” não pela ausência de luz, mas devido às lentes opacas da comunidade acadêmica religiosa que torna a África apenas visível.

Talvez os editores destas ferramentas de referência, que deveriam ser úteis, não devam ser culpados pela falha de não incluir protagonistas africanos. De fato a informação sobre os pais e mães fundadoras do cristianismo na África freqüentemente não está disponível em forma publicada e, tal informação do modo em que se encontra normalmente é inacessível a não ser para aqueles intrépidos e persistentes pesquisadores.

Esta brecha não é surpreendente, considerando os desafios associados com a documentação das vidas das pessoas que ainda que letradas não deixem nenhuma trilha escrita no papel.[11] Isso combinado com a tendência problemática do corpo de referência global cristão, perpetua a visão de que o ocidente é o eixo sobre o qual o mundo cristão gira. A noção de que é diferente, é tão improvável aos cartógrafos eclesiásticos de hoje como foi para a igreja católica a nova cosmologia radical de Copérnico. De fato não existem ferramentas de referência básica as quais possamos recorrer para informação sobre aqueles cujas vidas e atividades produziram na África uma revolução sem precedentes na história do planeta.

O Dicionário de Biografias Cristãs da África

De 31 de Agosto ao 02 de Setembro de 1995, uma consulta acadêmica de proporções modestas aconteceu no Overseas Ministries Studies Center (OMSC-Centro de Estudos sobre Ministérios no Estrangeiro) em New Haven, Connecticut nos EUA foi acordada a discussão da necessidade internacional de biografias cristãs não ocidentais. O título proposto para o volume 1 foi Um Registro de História Oral de Biografias Cristãs para África. A declaração oficial feita pelos participantes na conclusão da consulta resumiu a razão de ser e o modus operandi do dicionário imaginado:

Uma equipe de estudiosos internacionais está planejando um Dicionário de Biografias Cristãs da África. No entanto que no século XX o crescimento e o caráter do cristianismo na África não têm precedentes históricos, a informação sobre as figuras principais criativas e inovadoras envolvidas de maneira vital neste processo são virtualmente ausentes dos trabalhos acadêmicos de referência padrão.

O Dicionário abrangerá todo o campo da cristandade africana desde os primórdios até o presente e através do continente todo. Será amplamente inter-confessional, historicamente descritivo e explorará uma grande extensão de dados orais e escritos, o Dicionário será simultaneamente produzido de forma eletrônica em Inglês, Francês e Português.

O Dicionário não somente estimulará a coleta e inclusão de dados, mas como um banco de dados eletrônico de acesso livre e gratuito constituirá de uma maneira única e dinâmica de manter, acrescentar, expandir, acessar e disseminar informações vitais para a compreensão da cristandade africana. Sendo que o material contido é livre e gratuito poderá ser livremente produzido localmente na forma impressa. Por ser eletrônico o material estará simultaneamente acessível a leitores no mundo todo.

Terá colaboradores de comunidades acadêmicas, eclesiásticas, e missionárias da África e de outros lugares. O Dicionário não somente preencherá importantes brechas no atual acervo acadêmico, mas, informará, desafiará, e enriquecerá tanto a igreja como a academia em virtude do seu caráter dinâmico e internacionalmente cooperativo.[12]

A presciência desta declaração nasceu dos desenvolvimentos subseqüentes, visto que a empreitada tem crescido firmemente desde então de tal modo que no momento da redação deste artigo mais de 100 instituições de pesquisa, seminários e departamento de universidades em 19 países africanos estão associadas no esforço de produzir as suas bases: Um banco de memória biográfica identificando-se como instituições participantes do DIBICA. Esperamos que para o ano 2010 outras 100 instituições africanas de educação e pesquisa oficialmente se unam a tarefa de pesquisar e registrar as histórias dos pais e mães da igreja do continente.

Espectro do Dicionário

Do ponto de vista cronológico, o dicionário se estende por vinte séculos de fé cristã no continente africano, deste modo contrapondo a noção de que o cristianismo na África é algo mais do que um adendo religioso de influência européia dos séculos XIX e XX. “O cristianismo na África,” Fr. John Baur corretamente lembra aos seus leitores “não é um acontecimento recente, também não é um subproduto do colonialismo; as suas raízes voltam para o tempo mesmo dos Apóstolos.”[13] Atualmente, uma importante parte das histórias que aparecem no banco de dados, retrata pessoas que viveram e morreram antes do século XIII: 378 nomes formam parte da seção do banco de dados denominada “Igreja Primitiva” e 160 das 500 pessoas associadas da igreja Ortodoxa da Etiópia viveram antes do século XII, assim como a maioria das 226 pessoas Cópticas identificadas como Egípcias.

Do ponto de vista eclesiológico, do mesmo modo, já que a expressão cristã na África não se rende facilmente ao teste padrão euro-americano de ortodoxia o dicionário tem como meta a inclusão e a não exclusão.[14] Como é costumeira no caso de trabalhos enciclopédicos de qualquer tipo, a exclusão é prerrogativa do usuário. Deste modo, por exemplo, figuras importantes associadas a organizações heterodoxas tais como A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias assim como as, muitas vezes altamente controvertidas, Igrejas Iniciadas Africanas estão incluídas baseados na sua auto definição de cristãos.[15]

Os critérios de inclusão são tão amplos e flexíveis quanto possível. Em geral, serão incluídas as pessoas consideradas como importantes contribuintes ao cristianismo na África, seja em nível local, nacional, regional continental ou dentro de uma denominação cujas histórias sejam indispensáveis para o entendimento da igreja como ela é. No entanto que as entradas principais são restritas a pessoas que são africanas seja por nascimento ou por imigração, as pessoas não africanas tais como missionários estrangeiros cuja contribuição a história da igreja africana seja considerada como importante pelos africanos também serão incluídas. De modo semelhante, no entanto que a maioria das pessoas serão cristãos confessos, alguns não cristãos serão incluídos se tiverem desempenhado um papel direto e importante no desenvolvimento regional ou nacional do cristianismo.

Do ponto de vista lingüístico as entradas do dicionário atualmente aparecem em inglês, e algumas em francês. O plano é para que o banco de dados esteja disponível nas cinco línguas mais entendidas através da África onde a presença cristã é notavelmente vital: inglês, francês, português, suaile, e árabe. Sendo o material livre e gratuito, nada impede que um instituto de pesquisa, um departamento acadêmico ou um empreendimento individual traduza as histórias para outras línguas, mas, a intenção é receber histórias em qualquer uma destas cinco línguas de trabalho e traduzir as mesmas para as outras quatro línguas.[16]

Um padrão de compilação de dados foi desenvolvido para assegurar certa medida de uniformidade nos campos cognitivos nos quais os detalhes da vida de cada pessoa são apresentados.[17] Na medida que dados como data de nascimento forem disponíveis, serão incluídos. Em outros casos, é feita uma tentativa de ligar o nascimento de uma pessoa a um período em particular, ou a um evento notável. Sempre que for possível, fontes de informação publicadas e orais serão utilizadas. Embora a documentação possa ser um sério desafio, os padrões usados, são aqueles comumente empregados por pessoas que trabalham no campo de história oral.[18]

A escolha e apresentação de nomes pessoais africanos tem sido um desafio peculiar, como Norbert C. Brockman menciona no prefácio do seu primeiro African Biographical Dictionary (Dicionário Biográfico Africano): “Nomes tem um significado simbólico e descritivo entre muitos grupos africanos, e uma pessoa pode ser conhecida por vários nomes, sem mencionar a grande variedade ortográfica… A ordem de nomes familiar no ocidente não é sempre usada, nem são os sobrenomes um costume universal na África.”[19] No caso do Dicionário de Biografias Cristãs da África, este problema é remediado pela natureza do próprio meio. Sendo um banco de dados eletrônico, os usuários do CD-ROM do dicionário poderão acessar a informação de várias maneiras, incluindo qualquer um dos nomes da pessoa, a filiação eclesiástica, o país de residência e cidadania, idiomas, grupo étnico e assim por diante. De modo similar o problema que surge da mudança de nomenclatura, os nomes de países e regiões também é resolvido pelo próprio meio, possibilitando o acesso, ou seja, a vida de uma pessoa do primeiro século mediante a busca por nome, por país (e.g., Egito) ou por categoria (e.g., igreja primitiva). Para aqueles que acessarem o dicionário na World Wide Web o processo é ainda mais eficiente. Simplesmente digitando o nome da pessoa cuja biografia se deseja,por exemple, Biru Dubalä, no Google, aparecerá o índice da Etiópia na página do Dicionário de Biografias Cristãs da África.

Compilação, Publicação, e Distribuição

A rede de compilação de dados do projeto não é hierárquica mas, horizontal, um tipo de “tela de aranha” com o OMSC como nexo para tantos centros de compilação de dados quantos surgirem.[20] A rede já se estende à numerosos pontos e instituições pela África afora.. Em alguns casos, a pesquisa e a composição da história tornou-se um pré-requisito para a formatura ou a graduação. A informação é organizada e escrita de acordo com o padrão das diretrizes do DIBICA. Coordenadores devidamente designados então enviam estas histórias diretamente para o escritório da coordenação geral do OMSC em New Haven, ou para um dos quatro escritórios do DIBICA em Gana, Zâmbia, África do Sul, e Nigéria.[21] O escritório em New Haven é responsável pela entrada das histórias nos banco de dados.

Tanto a legitimidade da pessoa quanto a exatidão da história estão protegidas ao associar o nome de cada entrada biográfica com: o autor, a instituição participante, e o coordenador. Uma vez por ano, as instituições participantes recebem uma versão em CD-ROM atualizada do dicionário, cujo conteúdo pode ser usado livremente (devendo citar a fonte) na preparação do programa acadêmico, leituras complementares, ou livretos. Não há restrições enquanto a cópias do CD-ROM.

Os sujeitos biográficos–atualmente quase 1.200–são incluídos se na opinião da comunidade local de crentes a sua contribuição for considerada singular. Além do mais, materiais impressos de todo tipo-arquivos de igrejas e missões, histórias eclesiásticas, histórias missionárias, histórias de denominações, teses de mestrado ou doutorado, revistas de circulação interna de denominações ou missões, assim como ferramentas de referência existentes e dicionários biográficos-tem sido e continuam sendo selecionados com vista ao descobrimento de identidades e histórias de cristãos africanos essenciais.

O dicionário é produzido como uma fonte baseada na Web e distribuído para todas as instituições participantes africanas, na forma de CD-Rom anualmente atualizado. A publicação eletrônica é desejável, sendo que publicações acadêmicas e trabalhos de referências estão aparecendo cada vez mais em forma digital. Há quase uma década o diretor do CentroCentro de Media Educacional Avanzada da Universidade de Yale falava desta tendência, referindo-se às implicações técnicas e organizacionais das publicações na World Wide Web: “Veja o que aconteceu com as enciclopédias: as vendas de versões digitais em CD-ROM ultrapassaram as vendas impressas em papel este ano [1995] e, mantidas as atuais taxas, talvez não tenhamos mais enciclopédias impressas em produção daqui a dois anos (colecionadores tomem nota). As vantagens financeiras da publicação da internet ou publicação em CD-Rom, são tão grandes que o mundo das editoras (sem capital, e com preços proibitivos) de livros acadêmicos e periódicos profissionais se tornará principalmente digital e virtual antes que as principais editoras gigantes convertam a maior parte das suas listas ao formato digital.”[22]

Mas, como um provérbio Africano observa, “O lugar mais escuro da casa está de baixo da vela,” o lado escuro do inevitável mar de rosas da publicação eletrônica também foi identificado faz uma década. As informações disponíveis somente em forma digital podem rapidamente tornar-se ultrapassadas, vitima da tecnologia que é ao mesmo tempo cara e condenada a rápida obsolescência. Este fato foi eloqüentemente mencionado por Jeff Rothenberg um cientista sênior da computação no departamento social da RAND Corporation em Santa Monica, Califórnia: “Embora a informação digital seja teoricamente invulnerável a devastação do tempo, a maioria dos meios digitais evaporam muito antes que as palavras escritas em papel de alta qualidade. Elas freqüentemente se tornam obsoletas ainda mais rápido, a medida que os meios são ultrapassados por novos, ou os formatos se tornam incompatíveis; quantos leitores lembram dos discos flexíveis de oito polegadas? É somente uma pequena brincadeira dizer que a informação digital dura para sempre ou por cinco anos, o que acontecer primeiro.”[23] Por tais razões, temos considerado a produção de uma versão impressa do dicionário em forma abreviada e rigorosamente editada, para ser distribuída a todas as instituições participantes em algum momento depois de 2010.

Desde o começo o DIBICA tem declarado que os direitos de publicação devem ser livremente garantidos às igrejas, denominações e editoras nacionais e internacionais que desejem produzir uma versão impressa de todo o banco de dados eletrônico ou versões impressas de parte do banco de dados que eles considerem úteis. Se o dicionário fosse concebido como propriedade particular, ou um empreendimento visando lucro, é altamente duvidoso que conseguisse ampla e significativa circulação na África. Comprar tal banco de dados estaria fora de cogitação para a maioria dos africanos, tornando assim as suas próprias historias inalcançáveis para o povo africano. O custo de produzir e distribuir gratuitamente o dicionário na forma de CD-ROM atualizado anualmente é mantido pelo escritório de gerenciamento do projeto em New Haven.

A notoriedade do Dicionário de Biografias Cristãs da África continua crescendo. Ficamos sabendo que o dicionário é utilizado cada vez mais por professores que requerem que seus estudantes adquiram o habito de usar o banco de dados para seus trabalhos sobre historia da igreja africana. Sendo que é praticamente a única fonte de informação sobre biografias cristãs da África, o site do DIBICA na Web está experimentando um trafego firme e crescente, de 493 visitas em junho de 2003 para 963 visitas em setembro de 2006.[24]

Além disso, o Dicionário de Biografias Cristãs da África tornou-se um estímulo para iniciativas de compilação de dados em outros lugares. O Centro de Estudos do Cristianismo na Ásia (Trinity College Singapore) está usando o DIBICA como modelo para produzir um banco de dados biográfico de cristãos da Ásia, assim com também o Centro Don Bosco em Shillong, India, e a Igreja Metodista Trinity em Selangor Dural Ehsan, Malásia. Em setembro de 2003, eu fui oficialmente informado que uma equipe editorial formada por membros do Departamento de Teologia Contextual do Union Biblical Seminary, em Pune, Índia, coordenado pelo Dr. Jacob Thomas e apoiado pelo Conselho de Acessória da Índia toda, também embarcou num projeto biográfico nos moldes do DIBICA mas, focado no subcontinente indiano. Na sua reunião trimestral em junho de 2005, o Global China Center Board of Directors aprovaram por unanimidade o apoio financeiro ao Dicionário de Biografias Cristãs do Leste da Ásia inspirado e baseado no modelo do DIBICA. De outono de 2005 até fevereiro de 2007, o Dr. Yading Li, Diretor do Projeto para esta ambiciosa empreitada, esteve no OMSC, onde foi orientado pela Gerente de Projeto do DIBICA Ms. Michèle Sigg, na construção das bases para a empreitada.

Conclusão

Um dos desafios contínuos que o dicionário enfrenta é a diversidade dos países, outro é a língua e teor denominacional. É facilmente visível que ao passo que o número de histórias em Inglês é relativamente abundante, com os verbetes em língua francesa vindo lentamente atrás, as línguas que representam as outras três línguas francas da África não estão de todo representadas. Isso não decorre de nenhuma omissão nem negligência, mas das limitações lingüísticas dos dirigentes envolvidos e do fato de que o dicionário reflete apenas aquelas histórias que foram enviadas. Não são os facilitadores do DIBICA em New Haven mas, as instituições participantes e seus coordenadores designados que são essências para a pesquisa e composição das entradas do dicionário.

Além disso, há uma qualidade algo irregular das histórias. Alguém que esteja pesquisando o DIBICA irá imediatamente ficar perplexo com a desigualdade das aproximadamente 1.200 biografias que perfazem atualmente a base de dados. Algumas das histórias têm extensão de apenas uma ou duas frases, enquanto outras prolongam-se em vários milhares de palavras. Ao passo que uma exatidão acadêmica marca alguns dos verbetes, um grande número se origina de contribuições de pessoas que não são estudiosos nem historiadores. As histórias não têm proprietário, pertencem ao povo da África como um todo. Uma vez que esta é uma ferramenta de primeira geração, e assumindo que alguma memória é melhor do que a amnésia total, a qualidade variada dos verbetes tem sido tolerada e mesmo bem-vinda. Este é um esforço de primeira geração para garantir que haja certo tipo de memória à qual os estudiosos e líderes de gerações subseqüentes irão ter acesso. Será deixada para outra geração a retificação das fragilidades e deficiências inerentes ao dicionário atual.

A abordagem do DIBICA no que se refere a pesquisa, composição e publicação das historias está baseada na cooperação ativa das instituições africanas participantes. Das noventa e quatro instituições educacionais e centros de pesquisa formalmente identificadas com o projeto, ainda têm algumas que não enviaram histórias para o dicionário. Um grande esforço está sendo realizado para encorajar a incorporação da pesquisa e composição biográfica como trabalho escrito no currículo dos cursos afins de universidades e seminários, utilizando os padrões fornecidos pelo DIBICA.

Viagens anuais à África relacionadas com o DIBICA desde 1999, têm me levado a muitas universidades, seminários, e centros de pesquisa no Quênia, na Etiópia, na Uganda, no Zâmbia, na Nigéria, na África do Sul, e na Namíbia. Viagens para o Sudão, Egito, Moçambique e Tanzânia estão planejadas para o futuro próximo. Mais de cem centros acadêmicos em dezenove países africanos estão atualmente registrados como instituições participantes oficiais, contribuindo com um contínuo fluxo de material biográfico para o dicionário. Alem do mais o DIBICA tem sido co-responsável por uma série de seminários de uma semana em Quênia, Zâmbia, e Madagascar sobre como colecionar história oral, atraindo membros do corpo pedagógico e pesquisadores acadêmicos de vários países africanos. O número crescente de igrejas africanas e de instituições acadêmicas estão cooperando ao encorajar os seus membros e estudantes a pesquisar e compor as primeiras narrativas das quais o banco de dados está sendo criado. Finalmente o DIBICA está ativamente cooperando com a Associação Internacional para Estudos sobre Missão (IAMS) fazendo circular um manual sobre arquivos desenhado especificamente para instituições não ocidentais.[25]

A África claramente tem um crescente lugar de distinção na história do cristianismo, apesar de que grande parte da história cristã africana é muito pouco conhecida até mesmo na África. Alem do que na consciência cristã ocidental o continente continua sendo visto como uma massa proibida e perigosa, conhecida principalmente pela sua capacidade de gerar coisas das quais o lucro dos jornais está assegurado: corrupção desenfreada, perturbação política, fome recorrente, guerra civil, e genocídio. Uma realidade paralela e mais importante que retrata uma riqueza diversa e o vicejante espectro de congregações cristãs cujas igrejas servem como centros para a normalidade humana, a integridade, e esperança escapam das notícias. O Dicionário de Biografias Cristãs da África, fruto da cooperação inter-africana e internacional, é oferecido como modesto primeiro passo para a atualização dos nossos mapas eclesiásticos.[26]


Notas:

1. Peter Whitfield, The Image of the World: Twenty Centuries of World Maps (San Francisco: Pomegranate Artbooks, em sociedade com a British Library, 1994), pp. 20-21.
2. Ibid., p. 26.
3. Lamin Sanneh, Whose Religion Is Christianity? The Gospel Beyond the West (Grand Rapids: Eerdmans, 2003), p. 15.
4. Patrick Johnstone e Jason Mandryk, com Robyn Johnstone, Operation World: Twenty-first Century Edition (Carlisle, U.K.: Paternoster Lifestyle, 2001), pp. 20-21. De acordo com os números de Operação Mundo, 41,32 % da população da África era muçulmana em 2001. As taxas de crescimento do número de cristãos e muçulmanos na África são estimadas em 2,83 % e 2,53 % respectivamente.
5. Bryan T. Froehle e Mary L. Gautier, Global Catholicism: Portrait of a World Church (Maryknoll, N.Y.: Orbis Books, 2003), p. 5.
6. Randall Balmer, Encyclopedia of Evangelicalism (Louisville, Ky.: Westminster John Knox Press, 2002), p. vii.
7. Timothy Larsen, editor, com os editores consultores: D. W. Bebbington e Mark A. Noll, e o editor organizador: Steve Carter, Biographical Dictionary of Evangelicals (Leicester, U.K., e Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 2003), p. 1.
8. David B. Barrett e Todd M. Johnson, “Annual Statistical Table on Global Mission: 2004,” International Bulletin of Missionary Research 28, no. 1 (January 2004): 25.
9. Elizabeth A. Isichei, History of Christianity in Africa: From Antiquity to the Present (Grand Rapids: Eerdmans, 1995), pp. 98-99.

  1. Andrew F. Walls, “Structural Problems in Mission Studies,” International Bulletin of Missionary Research 15, no. 4 (October 1991): 147.
  2. Até uma figura de destaque como William Wadé Harris, consagrado em 1926 como o evangelista mais bem sucedido da África devido ao seu assombroso impacto no estabelecimento da fé cristã entre os povos da Costa do Marfim, “não deixou nada escrito exceto meia dúzia de curtas mensagens ditadas.” Veja: David A. Shank, “The Legacy of William Wadé Harris,” International Bulletin of Missionary Research 10, no. 4 (October 1986): 170.
  3. A consulta auspiciada pelo Overseas Ministries Study Center (Centro de Estudos sobre Ministérios no Estrangeiro) em New Haven, Connecticut, EUA, foi patrocinada pelo Pew Charitable Trusts’ Research Enablement Program (REP).
  4. John Bauer, Two Thousand Years of Christianity in Africa (Nairobi: Pauline Publications, 1994), p. 17.
    14. Numa carta pessoal datada em 9 de abril de 1998, o Professor J. F. Ade Ajayi observou que “a questão de quem é e quem não é cristão” não é sempre tão clara na África como é em outras partes do mundo. Ele ilustrou este ponto mediante o seguinte incidente: uma mulher culta “passou da Igreja Apostólica de Cristo para os Testemunhas de Jeová sem perceber que ela estava perdendo o seu foco inicial em Cristo.”
    15. Andrew F. Walls identifica seis constantes que persistem dentro de várias ênfases do cristianismo através do tempo: (1) adoração do Deus de Israel; (2) a importância suprema de Jesus de Nazaré; (3) a atividade de Deus onde se encontram os cristãos; (4) membros de uma comunidade cristã que transcende o tempo e o espaço; (5) o uso de um corpo comum de Escrituras e (6) o uso especial do vinho, pão, e água. Em situações onde a ortodoxia eclesiástica de uma pessoa estiver em dúvida; estes critérios devem ser usados. Veja o artigo de Walls “Conversion and Christian Continuity,” Mission Focus 18, no. 2 (1990): 17-21.
  5. O DIBICA atualmente está procurando patrocínio para começar a tradução de todo o banco de dados para o francês, árabe, suaile, e português. O custo estimado é de $ 15.000,00 (quinze mil dólares americanos) por ano para cada língua pelo período de três anos.
  6. Estas simples diretrizes gradualmente evoluíram para Um Manual de Instruções para Pesquisadores e Autores (New Haven: Dicionário de Biografias Cristãs da África, 2004), um livreto de 84 páginas que elabora as técnicas essenciais para a construção da historia oral, assim como apresenta exemplos de vários verbetes já existentes no dicionário.
    18. Ao mesmo tempo em que não existem maiores problemas nos meios acadêmicos com a tradição oral, certas diretrizes padrão e de senso comum devem ser observadas: (1) Dados orais devem ser coletados abertamente num fórum aberto onde possam ser questionadas ou acrescentadas; (2) o que foi dito ao pesquisador precisa ser dito e repetido a outros na mesma área para verificação; (3) a tradição oral pode fornecer uma variedade de pontos de vista sobre uma pessoa; e (4) a tradição oral deve ser usada para acrescentar as fontes escritas e vice-versa. Uma das vantagens de um banco de dados eletrônico sobre um volume impresso é a possibilidade de incluir um campo de anedotas complementarias a serem comprovadas (ou até contraditórias) sobre uma pessoa. Tais informações anedóticas fornecem textura e uma visão mais aprofundada da pessoa, ou pelo menos sobre a percepção do povo sobre a pessoa.
  7. Norbert C. Brockman, An African Biographical Dictionary (Santa Barbara, Denver, and Oxford: ABC-CLIO, 1994). O dicionário do Brockman “fornece 549 historias breves de africanos proeminentes do sul do Saara de todos os períodos da historia” (p. vii). Muitas desta breves historias foram incluídas no Dicionário de Biografias Cristãs da África.
  8. O DIBICA não é movido com fundos do ocidente. As suas historias são o resultado da ingenuidade e tenacidade africanos, mais do que um sub-produto questionável de fundos estrangeiros.
  9. O DIBICA planeja montar um escritório de coordenação na língua árabe em Cartum, o coração da África cristã de língua árabe.
  10. Patrick J. Lynch, “Publishing on the World Wide Web: Organization and Design,” Syllabus 8, no. 9 (1995): 9.
  11. Jeff Rothenberg, “Ensuring the Longevity of Digital Documents,” Scientific American 272, no. 1 (1995): 42. De acordo com o National Media Lab (www.nml.org), “os CD-ROMs tem uma vida garantida por 10 anos… [no entanto] fitas magnéticas duram de 5 a 20 anos, CDs convencionais até 50 anos e microfilme de arquivo 200 anos. O campeão de longevidade … [é] o papel livre de ácido….[o qual] deve durar 500 anos.” Ainda mais os impressos “evitam o que o experto em dados John Gray, da University of Michigan, denomina ‘o problema da tecnologia instável’-a probabilidade que os meios durem mais que os equipamentos que os lêem.” Veja também Stephen H. Wildstrom, “Bulletin Board: Data Life Span,” Business Week, June 17, 1996, p. 22.
  12. Esta informação de uma página da internet é do Gospelcom Network.
  13. Martha Lund Smalley and Rosemary Seton, comps., Rescuing the Memory of Our Peoples: Archives Manual (New Haven: IAMS, 2003). Copias do manual em inglês e francês podem ser adquiridas por $10,00 do OMSC, 490 Prospect Street, New Haven, CT 06511.
  14. Este artigo foi atualizado do mesmo titulo que apareceu no International Bulletin of Missionary Research 28, no. 4, (outubro de 2004): 153-58. Visite o mesmo e assine em www.OMSC.org /ibmr.html.